O mundo vive um intenso processo de grandes mudanças. E embora eu creia que elas sejam, ao final das contas, mais um agito barulhento do que o anúncio de radicais transformações, o abalo global provoca algumas pertinentes e profundas reflexões. E espero que estas provoquem tantas outras ações.
Uma das primeiras reflexões que surge no horizonte é: não é mais possível avançarmos como uma sociedade saudável se mantivermo-nos mergulhados no "atomismo" comum à lógica capitalista. O atomismo é essa tendência ao isolamento, ao individualismo, tão comum hoje em dia. Sei que muitos dirão: "como isolamento? Tenho tantos amigos, vou a tantos lugares, vejo e converso com tanta gente!". Sim, tudo isso costuma ser verdade, temos uma vida social bem agitada hoje em dia graças a um economia mais estimulada, às redes sociais etc Mas, por outro lado, "nunca antes na história deste país" a busca por problemas de cunho social tem encontrado soluções tão individuais! Vejamos alguns: não temos um transporte público de qualidade? Ora, que cada um compre seu carro, tá tão fácil!; não há serviço público digno? ora o remédio e comprar um plano de saúde; faltam vagas nas universidades públicas? Que pague uma particular quem puder...e por aí vai. Devem ter percebido, pelo exposto, que quanto mais as soluções se individualizam, tanto mais elas implicam "eu posso tudo o que quiser, desde que possa pagar por isso."
Enfim, impera entre nós algo como "estamos juntos, mas se a coisa apertar, é um cada um por si amigável, ok?"
Creio que é nesse ponto que a questão da arte pública encontra com sua mais profunda e necessária demanda. Se desde o governo Lula temos avançado muito nas questões econômicas, permintindo que uma descomunal multidão de empobrecidos pudesse, pela primeira vez, tornar-se consumidores, é preciso que tais pessoas também tornem-se cidadãos. E não apenas na acepção burguesa do termo, mas numa interpretação plena, progressista, de radicalização democrática. cidadania significa a convivência com o contrário, com o diferente, a crítica e a auto-crítica construtiva, o exercício da colaboração e da solidariedade.
Epara isso é preciso a reelaboração simbólica constante, em outras palavras, significa rever, revisitar e ressignificar valores, crenças, práticas. Significa promover a arte do encontro civil, e não somente público. As pessoas, nós todos, necessitamos compartilhar experiências estéticas/éticas (pois estética e ética são indissociáveis) que nos provoque reflexões, risos, apreensões, interpretações. E precisamos que isso seja feito no coletivo, para que possamos olhar os estranhos ao lado, e o mundo que nos cerca, com novos olhos. Que possamos, ao fim da experiência estética/ética perceber as relações com novas e revigoradas inquietações.
E tais práticas precisam ser constantes, cotidianas. E não podem ocorrer no âmbito da mercadoria. Por que toda e qualquer mercadoria, além do valor de uso, implica também um valor de troca, e as trocas são realizadas sempre, e sempre serão, tendo como referência o "poder" de troca de cada pessoa. Ou seja, o "quanto você pode pagar" pelo que quer levar. Mas se formos divididos, logo de cara, por "poderes de compra", como a experiência estética poderá promover a arte do encontro entre as pessoas que compõe a sociedade? Que reelaboração estética poderá promover, senão a reprodução das idéias já estabelecidas e aceitas por quem pode pagar? afinal, se preciso do dinheiro de quem paga, não seria prudente dizer que o ele não quer ouvir...
Assim, apenas a realização da arte pública pode assegurar a construção de uma nova sociedade. Somente por meio da elaboração e a reelaboração não "mercadologizada" dos signos e símbolos de nossa cultura podemos nos transformar de consumidores em cidadãos plenos. Por isso, defender a arte pública, em detrimento da arte mercadoria, é dar condições para que o ser humano torne-se, cada vez mais, humano.
Referências bibliográficas:
modernidade Líquida, Zygmunt Bauman
Educação e Reflexão, Pierre Furter
Referências bibliográficas:
modernidade Líquida, Zygmunt Bauman
Educação e Reflexão, Pierre Furter